Ainda Estamos Aqui: O Cinema Como Ferramenta de Resistência

O Brasil conquista seu primeiro Oscar de Melhor Filme Internacional, com o filme Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles. Finalmente, depois de 22 indicações em diferentes categorias, para 13 filmes brasileiros, sendo 4 outras indicações para a mesma categoria, anteriormente denominada de “Melhor Filme Estrangeiro” ( O Pagador de Promessas , em 1963; O Quatrilho , em 1996; O que é isso, companheiro? , em 1998; Central do Brasil , em 1999), o cinema nacional ganha o reconhecimento da Academia de Hollywood nessa categoria. Outras coproduções brasileiras já haviam sido laureadas com estatuetas sem que o prêmio fosse creditado, porém, ao nosso país. Em 1960, Orfeu Negro, coprodução franco-ítalo-brasileira, baseada na peça de Vinicius de Moraes, levou a estatueta de Melhor Filme Estrangeiro para o diretor francês, Marcel Camus. Em 1986, o estadunidense William Hurt venceu como Melhor Ator, representando O Beijo da Mulher-Aranha. Em 2005, o uruguaio Jorge Drexler ganhou o prêmio de “Melhor Canção Original” por ” Diários de Motocicleta “, produção de 7 países, inclusive o Brasil. E, em 2018, “ Me chame pelo seu nome ” produção ítalo-estadunidense-franco-brasileira, levou o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado para James Ivory. Ainda Estou Aqui é um roteiro adaptado da obra homônima, lançada em 2015 por Marcelo Rubens Paiva, que reconta a tragédia política e familiar a partir da sua visão de filho de Eunice Paiva, militante de direitos humanos cuja família foi mutilada pelo desaparecimento do seu cônjuge, deputado Rubens Paiva, torturado e assassinado em janeiro de 1971 nos porões da Ditadura Militar, instaurada em 1964. Eunice Paiva formou-se em Direito e dedicou sua militância política e jurídica aos direitos humanos das famílias dos desaparecidos durante os Anos de Chumbo. Militou também em prol dos direitos dos Povos Indígenas, contribuindo ativamente pela demarcação, por exemplo, das Terras Indígenas Krikati e Awá, no Maranhão; e Xikrin do Rio Cateté, no Pará. O filme, que foi aclamado em diversos festivais por sua sensibilidade e profundidade psicológica da personagem brilhantemente construída pela atriz Fernanda Torres, ja é um clássico que fortalece a memória nacional sobre esse período de exceção da história nacional. Além de obra-prima na estética, conseguiu um feito também como produto da indústria cinematográfica brasileira. Mesmo com um dos menores orçamentos dentre seus concorrentes (a cifra é mantida sob sigilo contratual e, desmentido pelo produtor o valor de 1,5 milhão pelo produtor, é estimada por especialistas por volta de 40 milhões de reais), a coprodução franco-brasileira já arrecadou mais de cem milhões de reais em bilheterias em todo mundo. Os arquivos produzidos pela Comissão da Verdade, durante o governo Dilma, deram o estofo necessário para a recuperação das memórias familiares da infância de Marcelo Rubens Paiva. Uma pena, aliás, que o filme não tenha sido indicado, também, na categoria de Melhor Roteiro Adaptado, porque seria um indireto mas justíssimo reconhecimento à literatura desse grande cineasta e escritor. Carnaval, literatura, cinema, nesta segunda-feira de carnaval, o Brasil, novamente, teve orgulho do seu país. Para a alegria ser completa, “ainda estamos aqui”, no aguardo da condenação criminal dos responsáveis pela tentativa de golpe de Estado em 8.1.2023 (dentre tantos outros crimes de mesma autoria…), bem como pelo homicídio do colega indigenista Bruno Pereira e do jornalista dom Phillips no Vale do Javari. Aguardemos ansiosamente a estatueta da justiça! 3 de março de 2025 Ciro de Lopes e Barbuda Poeta, jurista e membro da Academia de Letras de Porto Seguro